Festival de Gramado 2025

 

Nos dias 13 a 23 de agosto realizou-se o festival de cinema brasileiro mais badalado do país: o Festival de Gramado. E nesta edição uma polêmica roubou os holofotes: a exibição e uma premiação popular de filmes criados por inteligência artificial. Boa parte do segmento atacou o festival por não gerar uma discussão sobre o tema. Fora isso, Gramado exibiu seis filmes de diferentes temáticas em que o vencedor foi a produção do Mato Grosso, Cinco Tipos de Medo, que levou quatro Kikitos. A obra de Bruno Bini aborda a violência urbana em um bairro de Cuiabá.

Outros destaques do festival: Papagaios de Douglas Soares, um suspense do Rio de Janeiro que aborda a linha tênue da busca da fama; do Distrito Federal o comovente drama A Natureza das Coisas Invisíveis de Rafaela Camelo que comenta o luto sobre o ponto de vista infantil.

Fora de competição, o grande destaque do festival foi a exibição especial de O Último Azul de Gabriel Mascaro, vencedor do Urso de Prata do Festival de Berlim 2025 e que trouxe a estrela Rodrigo Santoro reforçando que a obra do pernambucano pode ser uma surpresa na escolha do representante do Brasil ao Oscar 2025. E um reflexo de um momento espetacular do cinema brasileiro.

***

A lista dos vencedores do Festival de Gramado 2025:

Melhor Longa-Metragem Brasileiro: Cinco Tipos de Medo de Bruno Bini

Melhor Filme do Júri Popular – Prêmio Especial do Júri: Papagaio de Douglas Soares

Prêmio Especial do Júri: A Natureza das Coisas Invisíveis de Rafaela Camelo

Direção: Laís Melo - Nó

Ator: Gero Camilo - Papagaio

Atriz: Malu Galli - Querido Mundo

Ator Coadjuvante: Xamã - Cinco Tipos de Medo

Atriz Coadjuvante: Aline Marta Maia - A Natureza das Coisas Invisíveis

Desenho de Som: Bernardo Uzeda, Thiago Sobral e Damião Lopes - Papagaios

Trilha Musical: Alekos Vuskovic - A Natureza das Coisas Invisíveis

Direção de Arte: Elsa Romero - Papagaios

Montagem: Bruno Bini - Cinco Tipos de Medo

Fotografia: Renata Corrêa - Nó

Roteiro: Bruno Bini - Cinco Tipos de Medo

Destaques nos Cinemas

A HORA DO MAL

(Weapons, EUA, 2025) de Zach Cregger

Terror. Moradores de uma pequena cidade tem a sua rotina abalada por um bizarro sumiço de 17 crianças.

A MELHOR MÃE DO MUNDO
(Brasil, 2025) de Anna Muylaert

Drama. Catadora de lixo decide cair no mundo com os seus filhos após sofre violência doméstica.

JUNTOS
(Together, EUA, 2025) de Michael Shanks

Terror. Casal passando por dificuldades tem a sua relação em cheque em conta de uma força sobrenatural.

ENFORCADOS
(Brasil, 2025) de Fernando Coimbra

Suspense. Herdeiro de uma família criminosa tenta se desligar de suas raízes mas as coisas só pioram.

FAÇA ELA VOLTAR
(Bring Her Back, Austrália, 2025) de Danny e Michael Philippou

Terror. Após uma tragedia familiar, casal de irmãos vivem na casa de uma tutora que esconde terríveis segredos.

O ÚLTIMO AZUL

(Brasil, 2025) de Gabriel Mascaro

Drama. Num futuro próximo, idosa vai para a Amazônia fugindo das ordens do governo que quer despachá-la para um abrigo de idosos.

Lançamentos nos Streamings

O BRUTALISTA

(The Brutalist, Inglaterra/EUA, 2024) de Brady Corbet

Amazon Prime

Drama. Após sobrevier a segunda guerra mundial, um judeu húngaro busca pelo recomeço através do sonho americano.

DUNA - PARTE 2

(EUA, 2024) de Dennis Villeneuve

Netflix

Ficção cientifica. No futuro, vários povos lutam para a dominação de um planeta rico em um minério vital para manter o poder na galáxia.

FALE COMIGO

(Talk to Me, Austrália, 2022) de Danny e Michael Philippou

Max

Terror. Uma espécie de droga espiritual virou moda entre os jovens e acaba afetando uma jovem que esta de luto com a morte de sua mãe.

A FRATERNIDADE É VERMELHA

(Trois Couleurs: Rouge, França/Polônia, 1994) de Krzysztof Kieslowski

Mubi

Drama. Jovem modelo cheia de vida faz amizade com um juiz aposentado e amargurado pela vida.

A IGUALDADE É BRANCA

(Trois Couleurs: Blanc, França/Polônia, 1994) de Krzysztof Kieslowski

Mubi

Drama. Polonês apaixonado por uma francesa decide vingança após o jogo de traição de sua amada

A LIBERDADE É AZUL
(Trois Couleurs: Bleu, França/Polônia, 1993) de Krzysztof Kieslowski

Mubi

Drama. Após sobreviver a um acidente que matou sua família, mulher vive na penumbra entre a vida e a morte.

A PROFESSORA DE PIANO

(La Pianiste, França/Áustria, 2001) de Michael Haneke

Mubi

Drama. Professora de piano tem um caso com um aluno seu o que estabiliza a sua relação com a mãe.

SOCIEDADE DOS POETAS MORTOS

(Dead Society Poets, EUA, 1989) de Peter Weir

Netflix

Drama. Jovens abastados de uma escola descobrem os questionamentos da vida com a chegada de um professor nada convencional.

VELUDO AZUL

(Blue Velvet, EUA, 1986) de David Lynch

Mubi

Suspense. Jovem de vida banal investiga de quem e a orelha decepada que ele achou no seu bairro.

1978

 

(Argentina, 2024)
Direção: Luciano e Nicolas Onetti
Elenco: Augustín Pardella, Carlos Portaluppi, Mario Alarcón, Augustin Olcese.

Em plena Copa do Mundo da Argentina de 1978, os militares usavam a fachada do evento para esconder o momento mais violento da ditadura argentina. Enquanto o time portenho avança no esporte, agentes do Estado buscam células da oposição. E diante das terríveis sessões de tortura, os agentes descobrem um grupo mas não imaginam que estes fazem parte de um culto sobrenatural. 

Sem sombra de dúvida o gênero terror está se transformando em um fantástico exemplo de criar enredos assustadores que se encaixam como crítica social. E o horror não tem nacionalidade. É universal. Um exemplo vem do horror argentino. Após realizar uma alegoria de um mundo em pré-pandemia de COVID no perturbador O Mal que Nos Habita; em 1978, os cineastas Onetti fazem um terror à lá de George Romero como alegoria de um país que tolera cada vez mais figuras mais autocráticas - como o presidente argentino atual Milei. E o horror dos tempos sombrios de uma ditadura nefasta, violenta (em que é tolerável torturar e matar) é similar a um bando de criaturas com sede de sangue. Aqui, os zumbis é um reflexo de um estado (ou sociedade) que busca mais um projeto de poder e subordinação que ao desenvolvimento e justiça social. Com uma primeira metade sensacional, o filme se joga no trash na outra parte final o que pode afugentar um público que criou uma expectativa de algo mais refinado e criativo. Mesmo veredando no óbvio, os irmãos Onetti criam elementos interessantes na sua conclusão em que o mal não esconde as suas vítimas. Por isso é questão de tempo surgir nos Estados Unidos um terror que reflita o caos e a desumanidade. Assim, o horror não vem do sobrenatural e desconhecidos. Vem de nós mesmos.

Carrie, A Estranha

(Carrie, EUA, 1976)
Direção: Brian De Palma
Elenco: Sissy Spacey, Piper Laurie, Amy Irving, William Katt.. 

Carrie é uma garota tratada como estranha em virtude de seu comportamento pouco social.  e esse comportamento é alimentado pelos maus tratos da mãe e colegas da escola. Mas a protagonista descobre que tem poderes telecinéticos (que faz movimentar objetos com a força do pensamento) e recebe um convite para o famoso baile escolar. no entanto não imagina que uma terrível vingança está a caminho.

Bullying nas escolas, fanatismo religioso...e o estilo inconfundível do filhote de Alfred Hitchcock, Brian De Palma que encontrou o material perfeito na primeira adaptação do mestre do terror Stephen King nos cinemas. E o encaixe foi perfeito. Aqui, De Palma lança luz um mundo em que a bondade não tem vez. Até as imagens sacras ganham retoque de horror numa clara alusão que o bem e o mal se misturam. Assim a fotografia esfumaçada de Isidore Mankofsky registra um mundo nada claro mas quando a verdade aparece (como na clássica cena do baile) as cores explodem e pulsa na tela. E é um pecado não comentar a trilha sonora dramática e deliciosa do colaborador Pino Donaggio que cria uma música típica dos anos 1970 mas sem ficar datado. Pelo contrário, até senso de humor a trilha explora. E por fim o ótimo duelo de atuações entre a inocente e assustada Sissi Spacey  que usa com maestria o seu jeito angelical e amedrontador, e Piper Laurie está diabólica como a mãe castradora e  psicótica. Enfim, Carrie, A Estranha é um clássico que não perde o impacto graças a direção magistral de De Palma que deixa o público sem fôlego ao usar e abusar dos movimentos de câmera, telas múltiplas. Um filmaço.

Totalmente Selvagem

(Something Wild, EUA, 1986)
Direção: Jonathan Demme
Elenco: Jeff Daniels, Melanie Griffith, Ray Liotta, Leib Lensky.

Charles é o executivo de futuro promissor que conhece por acaso uma morena sensual mas totalmente imprevisível e maluca chamada Lulu. E este é "sequestrado" pela mulher que o envolve em altas aventuras e revela que Lulu se chama Audrey e demonstra um lado mais comportado com o passar do tempo...enquanto aflora um lado mais rebelde de Charles.

A comédia maluca Totalmente Selvagem é uma boa crônica do que foi a década de 1980. Aqui, demonstra um yuppie careta e conservador (mas com jeito travesso para mentir) que ao encontrar uma "doidinha de pedra" vê a vida com os outros olhos. Em outras palavras, encarar a vida como uma aventura. Dessa forma a surpresa é a ótima atuação de Jeff Daniels que sabe criar camadas em uma almofadinha que vê em Audrey a saída de um mundo que perdeu a graça. E o figurino kitsch típica dos exageros dos anos 1980 cria um bem-vindo saudosismo. E aqui temos uma marca registrada do diretor em que apresenta uma trilha sonora deliciosa e um olhar carinhoso com as minorias (algo que se reflete na lista de músicas). Mesmo conhecido pelo clássico perturbador O Silêncio dos Inocentes o seu forte é registrar a realidade de uma forma calorosa (O Casamento de Rachel e Filadélfia) ou ao bom humor (De Caso com a Máfia).