Festival de Toronto 2023

 

No auge da greve dos roteiristas e atores nos EUA, os festivais de cinema estão a pleno vapor. Mesmo sem a presença das estrelas de Hollywood, Toronto foi recheado de bons dramas, mas o festival optou por premiar o humor. E assim surgiu a surpresa vitória da comédia estadunidense American Fiction de Cord Jefferson, uma corrosiva critica ao racismo no mundo literário. Outros destaques de Toronto foram: a bela animação japonesa The Boy and the Heron de Hayao Miyazak que conta um garoto que descobri um mundo mágico ao passar por uma torre abandonada; Dinheiro Fácil (EUA) de Craig Gillespie que aborda um grupo de investidores que causam um caos na bolsa de Nova Iorque; e Os Rejeitados (EUA), o retorno triunfal de  Alexander Payne que fala de um professor rabugento que é obrigado a passar o natal com os seus alunos.

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A lista dos vencedores do Festival de Toronto 2023:

Prêmio da Audiência: American Fiction (EUA) de Cord Jefferson (1º lugar); Os Rejeitados (EUA) de Alexander Payne (2º lugar); The Boy and The Heron (Japão) de Hayao Miyazaki (3º lugar)

Documentário: Mr. Dressup: The Magic of Make-Believe (Canadá) de Robert McCallum

Seleção Midnight: Dicks: The Musical (EUA) de Larry Charles

Destaque nos cinemas

BLACKBERRY

(EUA, 2023) de Matt Johnson

Drama. Relata a ascensão e queda do primeiro dispositivo móvel a fazer sucesso na história: a Blackberry.

ASSASSINOS DA LUA DAS FLORES

(Killers of the Flower Moon, EUA, 2023) de Martin Scorsese

Suspense. Na década de 1920, um agente da recém-criada FBI é designado a descobrir a identidade de um assassino que está apavorando uma tribo indígena.

Lançamentos nos Streamings

AMANTES ETERNOS

(Only Lovers Left Alive, EUA, 2013) de Jim Jarmusch

Mubi

Drama. casal de vampiros imortal tem a sua rotina abalada com a chegada de um novo ser que quebra as suas rotinas.

A BALEIA

(The Whale, EUA, 2022) de Darren Aronofsky

Paramount+

Drama. perto da morte, professor com obesidade mórbida luta para fazer as pazes com os mais próximos.

O HOMEM DE PALHA

(The Wicker Man, Inglaterra, 1973) de Robin Hardy

Mubi

Terror. Ao investigar o desaparecimento de uma jovem, sargento encontra uma vila em que as pessoas tem costumes estranhos.

OS INCOMPREENDIDOS
(Les Quatre Cents Coup, França, 1959) de François Truffaut

Mubi

Drama. Com a família ausente e uma escola desinteressante, garoto vive aprontando na ruas de Paris com os amigos.

OS OUTROS

(The Others, EUA/Espanha, 2001) de Alejandro Amenábar

Mubi

Terror. Mãe de filhos que apresentam saúde delicada suspeita que sua casa é mal-assombrada.

O Conde

(El Conde, Chile, 2023)

Direção: Pablo Larraín

Elenco: Jaime Vandell, Gloria Münchmeyer, Alfredo Castro, Paula Luchsinger.

Uma senhora inglesa conhecida narra a vida do ditador chileno Augusto Pinochet - e esta revela um grande segredo: o monstro é um vampiro imortal. Nascido na França absolutista sempre esteve presente nos principais acontecimentos da história da humanidade até se deparar em um país desconhecido e ideal: o Chile. E após a sua saída no poder, a sua sede de sangue continua insaciável até receber a visita da família; e principalmente de uma freira fluente em francês e especialista em contabilidade.

Pablo Larraín é especialista em biografias como em Jackie (2014) e Spencer (2021). E em O Conde, ele volta ao terreno habitual mas como o "premiado" é Pinochet, o grande diretor chileno faz uma guinada radical no conceito. Ele sai da sua zona de conforto e arrisca em uma corrosiva sátira política sobre a própria monstruosidade do protagonista. Um vampiro que mesmo na decadência só pensa nos ganhos da época áurea do poder (a corrupção) - uma preocupação da sua família também - e se alimentar do coração e sangue de suas vítimas que ele tratam com desdém...afinal sangue latino tem péssimo gosto (diferente do sangue inglês). Aqui uma alfinetada sobre uma população que ainda guarda "admiração" ao general...mas que são tratadas como lixo.

Mas fiquei com a impressão que as citações e as alegorias ficam mais interessantes se você conhece bem a história do Chile. Mas em seu terço final tem um plot-twist hilário. Outro fato que desequilibra são os excessos de personagens que torna o ritmo irregular - mesmo que o filme tenha ideias interessantes como a freira que lembra a simbólica atriz Renée Jeanne Falconetti de A Paixão de Joana D´arc (1928) de Carl Theodore Dreyer.

Assim, o destaque fica para a linda fotografia em um preto e branco expressionista de Edward Lachman associada ao ótimo design de produção que acentua o tom soturno. Vale mencionar a bela trilha sonora do Eiko Ishibashi que usa a dramaticidade da música clássica ao seu favor.

O Conde é uma sátira interessante e corrosiva sobre o ditador Pinochet; um monstro da vida real. Um vampiro de verdade que traumatizou uma nação. Um misto de terror e humor e crônica política sobre o poder do fascismo.

Fresh

(EUA, 2022)
Direção: Mimi Cave
Elenco: Daisy Edgar-Jones, Sebastian Stan, Jojo T. Gibbs, Andrea Bang.

Noa é garota que não tem sorte no amor. Passando por ilusões sentimentais em plena era digital ela se esbarra com um bonitão em um supermercado chamado Steve. O encontro inesperado desperta uma paixão instantânea afinal Steve é bonito, tem bom humor, um cavalheiro, e médico. O príncipe encantado. E um convite para uma viagem romântica em um fim de semana é irresistível demais para a Noa - que aceita de imediato. Mas o que seria uma aventura dos sonhos se tona um inferno quando Noa descobre as verdadeiras intenções de Steve.

Alguns anos atrás, o diretor Jordan Peele faz o seu debut na direção ao transformar a comédia de 1967, Adivinha Quem Vem para o Jantar como referência a crítica racial no exaustivo e original Corra. Bebendo na mesma fonte, a diretora Mimi Cave também faz a sua estréia usando outro clássico dos anos de 1960, O Colecionador, para uma analogia a violência contra as mulheres. Mas em Fresh a pegada é pop - mesmo com cenas repulsivas. Aqui a diretora ousa ao misturar o horror com humor para deixar o público totalmente desconfortável. E consegue. A heroína passa por poucas e boas. Engraçado lembrar que o filme do William Wyler teve outras adaptações como o espanhol Ata-me de Pedro Almodóvar. Em sua visão, o mestre espanhol vai fundo no erotismo no jogo de sedução entre vítima e algoz. Já a cineasta Cave foca um mundo perigoso para as mulheres mas também se apoia no empoderamento feminino. Aqui o desconforto é visível e indigesto, literalmente.

Elis & Tom - Só Tinha Que Ser Com Você

(Brasil, 2022)
Direção: Roberto de Oliveira

Em 1974 acontece nos estúdios de música de Los Angeles (EUA) uma gravação de um álbum estrelado por dois monumentos da música brasileira: Elis Regina e Tom Jobim. Mas a impulsividade dela e o modo controlador dele torna o processo um desafio de egos mas que no fim o milagre acontece e nasce um dos discos mais importantes da ´nossa cultura no século XX: Elis & Tom.

O documentário de Roberto de Oliveira não busca sair da caixinha; é um trabalho bastante convencional. E também não exibe os defeitos dos cantores, apenas uma exposição chapa branca dos protagonistas. Aqui o documentário registra com qualidade a dramaticidade e a emoção autêntica da Elis com o estilo único e perfeccionista de Tom. Esse acaba sendo o ponto forte da obra.

Aqui o filme faz um bonito raio-x de um artista revolucionário como é o caso de Tom Jobim, um dos responsáveis pela exportação da bossa nova, o jazz brasileiro que é muito respeitado e valorizado nos EUA. Foi nesse álbum que Tom teve a sua consagração artística. E principalmente da Elis Regina, uma cantora versátil e voz única mas que pela sua turbulenta estória pessoal abdicou de uma brilhante carreira internacional, e que em meados dos anos de 1970 precisava dar uma sacudida em sua carreira que demonstrava desgaste em um momento sensível da história brasileira: a ditadura militar dos anos de 1970.

O trabalho de Roberto de Oliveira também mostra com sensibilidade o amadurecimento artístico de Elis Regina...em que as divergências com um dos pais da bossa nova lhe rendeu frutos e trabalhos posteriores mais sofisticados e técnicos. E como é gostoso ouvir os clássicos da bossa nova no cinema e ver o espetáculo da dupla na tela grande e o som na máxima potência.

Elis & Tom - Só Tinha Que Ser Com Você é um belho registro de como a nossa cultura é impar e de qualidade excepcional. E uma oportunidade rara das novas gerações de conhecer esse grande legado na tela grande envolto a um som alto e de qualidade.