Festival de Veneza 2023

 

Nos dias 30 de agosto a 09 de setembro aconteceu o Festival de Veneza, um dos mais badalados do mundo e que ultimamente serve como forte termômetro as premiações do fim do ano e ao Oscar. Na edição 80, o festival foi ofuscado pela ausência das estrela de Hollywood em virtude da greve dos atores nos EUA - favorecendo a participação de estrelas internacionais. E neste ano o cineasta estadunidense Damien Chazelle (La La Land e Whiplash)) foi o presidente do júri e diante de uma seleção razoável de filmes o Leão de Ouro de melhor filme saiu para o favorito desde o início do festival: Pobre Criaturas de Yorgos Lanthimos (EUA/Inglaterra). Considerado o melhor filme da carreira do grande cineasta grego em que acompanha uma mulher que é ressuscitada por um cientista e esse retorno lhe dá fome de vida e aprendizado chama atenção pelo habitual tom provocador além de uma atuação matadora de Emma Stone no papel principal. Outros destaques são: Green Border de Agnieszka Holland (Polônia) que acompanha a vida de refugiados sírios que se encontram na fronteira entre a Polônia e Belarus; Memory de Michel Franco (EUA/México) que narra um  casal em relacionamento que revela traumas do passado; Io Capitano de Matteo Garrone (Itália) que aborda uma jornada de dois irmãos que largam o Senegal para fugir para a Europa; Evil Does Not Exist de Ryusuke Hamaguchi (Japão) que relata um pai e filha tem a sua rotina alterada com a construção de um acampamento ao lado de sua casa.

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A lista dos vencedores do Festival de Veneza 2023:

Leão de Ouro: Pobres Criaturas (EUA/Inglateraa/Irlanda) de Yorgos Lanthimos

Grande Prêmio do Júri: Evil Does Not Exist (Japão) de Ryusuke Hamaguchi

Melhor Direção: Matteo Garrone - Io Capitano (Itália)

Melhor Ator: Peter Sarsgaard - Memory (EUA/México)

Melhor Atriz: Cailee Spaeny - Priscilla (EUA)

Melhor Roteiro: Guillermo Calderón e Pablo Larraín - O Conde (Chile)

Prêmio Especial do Júri: Green Border (Polônia) de Agnieszka Holland

Prêmio Marcello Mastroianni de Revelação: Seydou Sarr - Io Capitano (Itália)

Destaques nos cinemas

TIA VIRGINIA

(Brasil, 2023) de Fabio Meira

Drama. Uma senhora solteiro e sem filhos prepara fazer uma ceia de natal para a sua família.

A MENINA SILENCIOSA

(An Cailín Ciúin, Irlanda, 2022) de Colm Bairéad

Drama. Por causa de dificuldade financeira, família encaminha um de suas filhas para casa de parentes distantes.

ESTRANHA FORMA DE VIDA

(Strange Way of Life, Espanha/EUA) de Pedro Almodóvar

Faroeste. No velho oeste, dois grandes amigos se reencontram após 25 anos.

Lançamentos nos streamings

AMNÉSIA
(Memento, EUA, 2000) de Christopher Nolan

Mubi

Suspense. Homem que sofre de amnésia tenta investigar o responsável pelo assassinato de sua esposa.

A BELA DA TARDE

(La Belle de Jour, França, 1967) de Luis Buñuel

Mubi

Drama. Infeliz na sua nova vida de casada, mulher se reencontra ao trabalhar todas as tardes em um bordel de Paris.

O CONDE

(El Conde, Chile, 2023) de Pablo Larrain

Netflix

Comédia. O ditador Pinochet é um vampiro de 250 anos em crise mas que por causa de uma novidade decide sair das sombras.

ELEMENTOS

(Elemental, EUA, 2023) de Peter Soho

Disney+

Animação. Em uma cidade em que os elementos da natureza convivem, o garoto água e a garota fogo iniciam uma improvável relação.

EO

(Polônia, 2022) de Jerzy Skolimowski

Mubi

Drama. Um burrinho dócil chamado EO decide sair da Polônia e circular pela Europa o que lhe proporcionará momentos de alegria e tristeza.

HOMEM-ARANHA NO ARANHAVERSO

(Spider-Man: Into the Spider-Verse, EUA, 2018) de Bob Persichetti, Peter Ramsey e Rodney Rothman

Amazon Prime

Animação. Adolescente é picado por uma aranha radioativa capaz de transformá-lo em um super-herói...e nesta jornada ele descobre um multiverso com outros heróis.

NOITE PASSADA EM SOHO

(Last Night in Soho, Inglaterra/EUA, 2021) de Edgar Whight

Star+

Terror. Ao entrar em uma universidade, aluna obcecada pelos anos de 1960 acha um portal do tempo que a faz viver em sua época favorita...mas o sonho tem um preço.

QUE HORAS EU TE PEGO?

(No Hard Feelings, EUA, 2023) de Gene Stupnitsky

HBO Max

Comédia. Precisando de dinheiro, mulher aceita uma missão incomum: ser a namorada de um cara que não quer sair da casa dos pais.

TAXI DRIVER

(EUA, 1976) de Martin Scorsese

HBO Max

Drama. Veterano da Guerra do Vietnã sobrevive como motorista de taxi em uma Nova Iorque sombria e suja.

TEMPOS MODERNOS

(Moderns Times, EUA, 1936) de Charles Chaplin

Mubi

Comédia. O malandro Carlitos inicia as suas aventuras e confusões trabalhando em uma linha de montagem de uma indústria.

Apocalypse Now

(EUA, 1979)
Direção: Francis Ford Coppola
Elenco: Martin Sheen, Marlon Brando, Robert Duvall, Denis Hopper.

No auge da Guerra do Vietnã, o Capitão Willard - que estava nos EUA após lutar na Ásia - retorna ao Vietnã com uma específica missão: encontrar o Coronel Kurtz, um militar da alta patente que ficou louco e que se encontra na selva causando instabilidade na região. E nesta nova jornada, Willard testemunha soldados despreparados, um militar obcecado por surf, uma família francesa decadente e outros acontecimentos que servem como uma verdadeira provação a sanidade mental do protagonista.

Assistir a obra-prima do Coppola não é fácil. Aqui o mestre não faz um épico de guerra, mas uma jornada de terror ao inferno. Do horror humano. E o público não é polpado em nenhum momento (incluindo uma chocante morte real de um animal). A missão de Willard mistura o surreal, a violência descontrolada, a maldade banalizada, um discurso ultrapassado sobre colonialismo e por fim a loucura.

Livre adaptação do livro Coração das Trevas de Joseph Conrad, Apocalypse Now é um retrato de uma guerra que era fadada ao fracasso. Uma missão em que o exército mais poderoso do mundo não daria chance a um modesto oponente. Mas na realidade o exército americano mesmo com um super armamento não estava preparado para o horror da selva, e para a resistência do inimigo já acostumado a invasões externas e vitórias em sua história.

Com uma atuação antológica de Martin Sheen que através do olhar e do corpo mergulha em um personagem que busca racionalidade em um lugar que a civilidade é um termo onipresente. Mas é Marlon Brando que rouba a cena no papel de um homem perigoso e instável que cria as suas próprias regras como um deus. Uma atuação monstruosa. Robert Duvall ganha a frase mais famosa do filme (adoro cheiro de napalm de manhã!) e Denis Hopper tem uma pequena mas importante participação no final.

Em sua parte técnica o destaque total vai para a bela fotografia do mestre Vittorio Storaro (vencedor merecidamente do Oscar) que sabe registrar o verde úmido e sufocante da Ásia e o jogo de sombras nas cenas noturnas. Pena que a trilha sonora de Carmine Coppola (pai do cineasta) soe datado em alguns momentos. Mas a direção de Coppola faz a diferença e soube conduzir a equipe mesmo diante de filmagens bastante turbulenta que daria para fazer outro filme. Nunca os bastidores de um filme espelha tanto a própria obra.

Apocalypse Now é um filme atemporal ao registrar um homem em uma jornada que parecia cada vez mais impossível de cumprir. E cada passo que dá; cada vez que se isola na selva e se distancia da sociedade, é uma prova em cheque em sua própria sanidade e humanidade. É uma prova viva que a guerra não é uma luta entre o bem e o mal, vilão e mocinho. A guerra é a perda traumática de vestígio da inocência e senso ético e moral humano. Ironicamente, Coppola nunca mais brilhou com a mesma intensidade após realizar o conturbado filme de 1979.

Retratos Fantasmas

(Brasil, 2023)
Direção: Kleber Mendonça Filho

Finalmente estréia um dos filmes brasileiros mais esperados do ano: Retratos Fantasmas. E o documentário pernambucano cumpri as expectativas. Para os cinéfilos, o filme é um deleite. Uma jornada particular, uma viagem no tempo e um retrato das transformações urbanas (e sociais).

O filme não foge ao estilo do diretor - pelo contrário - enaltece a sua assinatura (e um ótimo exercício para entender a sua filmografia). Dividido em três partes, Retratos Fantasmas é uma jornada de um homem apaixonado por cinema e que nessa paixão viu um gancho perfeito para fazer uma análise do poder do cinema, o magnetismo que as salas de cinema exerce.

Na primeira parte retrata a vida pessoal do diretor e a sua estória de vida com uma residência que marcou a sua família e a sua própria história a ponto de ser explorado em seus futuros filmes como O Som ao Redor e Aquarius.

Na segunda parte aborda os cinemas de rua de Recife mostrando o seu apogeu com salas suntuosas mas que com a decadência do centro comercial e a expansão dos shoppings centers as grandes salas de exibição foram transformadas em centros comerciais, estacionamentos e...igrejas evangélicas.

Na última parte o foco da obra é a ironia dos cinemas, o lar do entretenimento (e dos cinéfilos) em que as telas dos cinemas se transformam em palco para os mais diversos pastores evangélicos. Se os cinéfilos tem uma relação quase religiosa com o cinema (da arte de entreter, escapista até a um momento de reflexão) faz sentido o seu uso como espaço para a religião.

Fantástico trabalho do diretor ao usar as salas de cinema como metáfora real das transformações sociais e políticas do Brasil, e a nossa infeliz atitude de não valorizar o espaço (valorizar os centros históricos) e esquecer a nossa história e origem. Mais um grande trabalho de um diretor que sabe usar o microcosmo (Recife) como metáfora para o macrocosmo (Brasil). Um dos melhores filmes do ano.

Fale Comigo

(Talk to Me, Austrália, 2023)
Direção: Danny e Michael Philippou
Elenco: Sophie Wilde, Alexandra Jensen, Joe Bird, Miranda Otto.

Mia é uma jovem adolescente cheia de energia mas que esconde um grande trauma: a morte misteriosa de sua mãe. Após três anos do acontecimento, Mia decide junto com os amigos em ir a uma festa no qual acontecerá um bizarro ritual que está causando um verdadeiro frisson entre os jovens da cidade. Neste ritual, a pessoa segura uma mão de cerâmica e ao dizer fale comigo entrará em contato com os mortos. Mia decide participar da "brincadeira" em que realmente ela vê fantasmas - e ao mesmo tempo uma estranha adrenalina viciante. Mas as coisas se complicam quando um amigo dela participa e contata o provável espírito da mãe da protagonista.

Um intrigante e tenso terror da Austrália que usa o horror com maestria para tocar em temas como o luto, as drogas na fase juvenil. Aqui acontece a ótima estréia da direção da dupla Philippou que realizam uma obra original e perturbadora e sabem explorar bem os manjadas esquemas do gênero terror (algo na linha de Pânico de 1996 mas sem a metalinguagem do filme estadunidense).

Com efeitos práticos e saindo da caixinha quando o tema é susto, o ponto alto é a imersa atuação de Sophie Wilde que entregou de cabeça em um personagem cheio de camadas que passa por situações dolorosas a ponto do público compreende-la mesmo que ela faça coisas extremamente questionáveis.

Fale Comigo é um filme perturbador em que a dupla de diretores vão ao extremo ao misturar um pouco da comédia adolescente e muito do terror psicológico de uma protagonista que vive um inferno particular ao embarcar em uma espiral de dor, dúvida e a busca por um alívio que parece ser apenas um sonho distante.