domingo, julho 25, 2021

Cannes 2021



 Nos dias 06 a 17 de julho deu início - com atraso de 02 meses em conta da pandemia - o festival mais charmoso e importante do mundo, o Festival de Cannes. Presidido pelo cineasta americano Spike Lee (primeiro negro designado a este posto) e o brasileiro Kleber Mendonça Filho como um dos jurados, a competição oficial pela Palma de Ouro foi acirrada ao juntar os filmes da temporada passada (por conta do cancelamento do evento no ano passado) e as obras mais recentes. Com uma ótima seleção de filmes, Spike Lee surpreendeu e anunciou (e vazou ocasionando em numa gafe) o drama pesado e visceral francês Titane de Julia Ducournau como o vencedor da Palma de Ouro de melhor filme. Sendo a segunda cineasta a conquistar tal feito, a diretora dividiu a crítica ao falar de violência e relacionamento familiar. Outros destaques foram o norueguês The Worst Person in the World de Joachim Trier, em que uma jovem na casa dos trinta anos enfrenta uma crise existencial; o francês The Divide de Catherine Corsini, aborda duas mulheres em conflito dentro de um hospital caótico; o japonês Drive My Car de Ryúsuke Hamaguchi, conta a estória de um ator e dramaturgo de teatro que tem a sua vida transtornada com o desaparecimento de sua esposa; o estadunidense A Crônica Francesa de Wes Anderson, relata a rotina de um jornal estadunidense localizado no interior da França; o iraniano A Hero de Asghar Farhadi, em que um jovem preso por calote aproveita o dia de liberdade para quitar a dívida do acusador; o estadunidense Red Rocket de Sean Baker, um ex-ator pornô volta a sua cidade natal no interior do Texas causando confusão; o tailandês Memoria de Apichatpong Weerasethakul, uma obra sensorial em que uma mulher se intriga com sons estranhos ao visitar sua irmã na Colômbia; e o australiano Nitram de Justin Kurzel, uma história real sobre um psicopata que realizou uma chacina em uma ilha da Austrália.
Fora da competição, o estadunidense Stillwater de Tom McCarthy, recebeu ótimos elogios sobre um pai estadunidense que vai a França para se encontrar com a filha que está presa acusada de um crime; e o francês Vortex de Gaspar Noé, um doloroso drama sobre a demência na velhice. O Brasil brilhou com o documentário super aplaudido Marinheiro das Montanhas de Karin Aïnouz, uma obra autobiográfica que segue a primeira viagem do cineasta cearense a Argélia, terra natal de seu pai; e o curta-metragem Céu de Agosto conquistou o Prêmio de Menção Honrosa.

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A lista dos vencedores do Festival de Cannes 2021:

Palma de Ouro: Titane (França) de Julia Ducournau
Grande Prêmio do Júri: A Hero (Irã) de Asghar Farhadi; e Comportament N 6 (Finlândia) de Juho Kuosmanen
Prêmio do Júri: Ahed´s Knee (Israel) de Nadav Lapid; e Memoria (Tailândia) de Apichatpong Weerasethakul
Melhor Direção: Leos Carax - Annette (França)
Melhor Roteiro: Ryusuke Hamaguxhi e Takamasa Oe - Drive My Car (Japão)
Melhor Atriz: Renate Reinsve - The Worst Person in the World (Noruega)
Melhor Ator: Caleb Landry Jones - Niltran (Austrália)
Câmera D´Or (melhor filme de estréia): Murina (Croácia) de Antoneta Alamat Kusijanovic

terça-feira, julho 20, 2021

Destaques nos cinemas

VIUVA NEGRA
(Black Widow, EUA, 2021) de Cate Shortland
Ação. A espiã Natasha Romanoff tenta escapar de elemento estranho e ao mesmo tempo reflete sob o seu misterioso passado.



EMA

(Chile, 2019) de Pablo Larrain
Drama. Um casal formado por um coreógrafo e bailarina vivem uma crise conjugal quando o seu filho adotivo é responsável por ter ferido uma pessoa. 



ANÔNIMO
(Nobody, EUA, 2021) de Ilya Naishuller
Ação. Após a sua família sofrer um ato de violência, o pacato e passivo pai se transforma em um homem brutal e raivoso.

quinta-feira, julho 15, 2021

Lançamentos nos streamings

AMOR SEM ESCALAS

(Up in the Air, EUA, 2009) de Jason Reitman
Netflix
Drama. Homem especialista em realizar demissões sem traumatizar os demitidos se apaixona por uma executiva.




BOY ERASED: UMA VERDADE ANULADA
(EUA, 2018) de Joel Edgerton
Netflix
Drama. Jovem gay sofre na pele o preconceito de sua família em particular do seu pai, um pastor ultra- conservador.


FREAKY - NO CORPO DE UM ASSASSINO

(EUA, 2020) de Christopher Landon
TelecinePlay
Comédia. A vida de uma adolescente vira um caos quando ela e um psicopata trocam de corpo.



GLORIA BELL

(EUA/Chile, 2018) de Sebastián Lelio
Amazon Prime
Drama. Uma mulher de 50 anos experimenta a liberdade de ser ela mesma ao frequentar a vida noturna de Los Angeles.



JACK

(EUA, 1996) de Francis Ford Coppola
Disney Plus
Drama. Um garoto de 10 anos sofre de uma doença que lhe deixa com um aspecto de um homem de 40 anos, uma anomalia que lhe causa problemas.



JOLT

(EUA, 2021) de Tanya Wexler
Amazon Prime
Ação. Uma mulher luta contra um raro distúrbio neurológico que desencadeia impulsos assassinos.


JUDAS E O MESSIAS NEGRO
(Judas and the Black Messiah, EUA, 2021) de Shaka King
HBO Max
Drama. Um assaltante é designado pelo FBI a se infiltrar no grupo Panteras Negras para assassinar o líder do grupo.




NEM UM PASSO FALSO

(No Sudden Move, EUA, 2021) de Steven Soderbergh
HBO Max
Drama. Na Detroit de 1950, um grupo de criminosos entram em uma enrascada ao aceitar roubar um documento.



TENET
(EUA/Inglaterra, 2020) de Christopher Nolan
HBO Max
Suspense. Um homem se aventura no mundo da espionagem que se evolui ao usar os efeitos do tempo para alterar o destino do mundo.

sábado, julho 10, 2021

O Som ao Redor

(Brasil, 2012)
Direção: Kleber Mendonça Filho
Elenco: Gustavo Jahn, Maeve Jinkings, Irandhir Santos, Irma Brown.

Se tem um cineasta brasileiro que sabe causar frisson na nossa cultura, este é o diretor Kleber Mendonça Filho. Com uma filmografia representada por três filmes, cada obra gera debates acalorados afinal o cineasta sabe manipular como poucos temas atuais sobre o Brasil de uma forma muito particular. E o seu debut - O Som ao Redor - Kleber escancara o que viríamos nos seus filmes posteriores.
Logo na abertura uma trilha sonora climática exibindo fotos de arquivo do dia a dia da zona rural, e abruptamente dá um salto para a garagem de um edifício no Recife atual. Mostrar crianças brincando sob a supervisão das babás introduz uma questão recorrente do filme: as diferenças sociais. E essa diferença é retratada pelos seus três personagens principais: João, um bon-vivant da classe alta que é corretor de móveis; Beatriz, uma dona de casa entediada de uma família da classe média; e Clodoaldo, um soturno funcionário de uma empresa de segurança privada que representa a classe baixa. Como de costume na filmografia do cineasta pernambucano, o filme é dividido em três partes.
Na primeira parte chamada Cães de Guarda, retrata o cotidiano da Beatriz e João. Ela vive atormentada pelos latidos do cachorro do vizinho. Ele fica constrangido quando o seu primo rouba o aparelho de som da Sofia, uma garota que ele inicia um relacionamento amoroso. Entre essas duas estórias, uma sensação de inquietação é exposta na área residencial; quando limpadores de carros ficam sob a visão da policia - e aqueles são destratados pelos moradores de um condomínio. E por fim, surge a figura misteriosa de Clodoaldo.
Na segunda parte chamada Guardas Noturnos, do amontoado de casas e prédios surgem belas imagens urbanas. Kleber extrai beleza no desalinho concreto residencial. Aqui, Beatriz recebe a proposta de segurança do Clodoaldo no momento que flagra um homem se movimentando no telhado do vizinho. Já João participa de uma reunião de condomínio no qual os inquilinos procuram uma justificativa para demitir um antigo porteiro. Através do senso de humor, a justificativa vai de uma Revista Veja sem a embalagem até provas documentadas...por um garotinho. E Clodoaldo tira do sério o primo de João após ameaçá-lo através de uma ligação anônima.
E na ultima parte titulada Guarda Costas, o clima fica pesado, ganha ares de terror como água vermelha, o pesadelo da filha da Beatriz, e imagens sinistras dos prédios a noite que recorda Amytiville. E Clodoaldo domina a área conquistando a confiança de todos e conhece todos os passos dos moradores. João e Sofia visitam o engenho do avô. O casarão patriarcado e sua volta parecem assombrados com sons de passos desconhecidos e gritos de horror.
Como o seu título sugere, o filme é uma aula do uso do som (o diretor é responsável pelo trabalho sonoro) apresentando o caos sonoro do ambiente de sua estória, um bairro residencial do Recife. Pela ausência de trilha sonora, o som é um elemento crucial ao filme - o latido do cachorro, a máquina de lavar, o aspirador de pó, a televisão, o trânsito na rua. Elementos que aqui servem para inquietar e assombrar toda a sociedade. E a narrativa acompanhando os três personagens chama atenção pela segurança na condução.
Mas a obra de Kleber Mendonça Filho vai além da crítica social. Usando de forma singularíssima uma combinação de gêneros: do drama ao suspense com pitadas de terror a respeito da memória, justiça social, especulação imobiliária, as milícias, e a apatia da classe média brasileira. Um filme energético, sensorial e urgente que ilustra um país que para se desenvolver precisa se desligar de um passado (e o presente!) que mais assombra, atormenta que dá alegria.

segunda-feira, julho 05, 2021

A Dupla Vida de Veronique

(La Double Vie de Véronique, França/Polônia/Bélgica, 1991)
Direção: Krzysztof Kieslowski
Elenco: Irène Jacob, Philippe Volter, Wladyslaw Kowalski, Halina Gryglaszewska,

Na noite de natal de 1968 na Polônia, uma garotinha aparece na janela observando o céu; abruptamente a cena parece se repetir com a mesma garotinha mas a localização é diferente: ela vive na França. Assim, inicia A Vida Dupla de Veronique - e o filme dá um salto no tempo para 1990. Agora essa garotinha chamada Weronika se transformou em uma bela cantora lírica que sonha com uma carreira musical. Com uma voz singular, ela é aprovada em uma audição para um espetáculo. No entanto, Weronika sente fortes dores no peito; e confessa ao pai uma estranha sensação: a de que não está sozinha no mundo. E caminhando em uma praça em meio a uma manifestação política, ela vê algo insólito: uma mulher que é idêntica a sua fisionomia entrando dentro de um ônibus. Após esta visão, Weronika tem a sua saúde fragilizada e no meio de uma apresentação musical, ela morre em decorrência de uma parada cardíaca. 
Neste mesmo instante - agora na França - Veronique (a garota com quem Weronika viu no ônibus) sente uma súbita tristeza nos braços de seu amante. Após a morte do seu "clone", Veronique perde o amor pela música, e desabafa ao pai que se sente diferente, solitária.  
Após uma carreira de sucesso internacional na sua Polônia natal, o grande Krzysztof Kieslowski desbrava para outros mares (a França) com o sensível A Vida Dupla de Veronique. E aqui o enredo soa como uma adaptação personalíssima do clássico da literatura O Duplo de Dostoiévski. Mas a obra embarca no existencialismo e na metafísica de uma forma sensorial e tocante na jornada da jovem, cativante, apaixonada Weronike, e na sensação oposta figurada pela francesa Veronique (mais comedida e melancólica). E a lindíssima Irène Jacob dá um show ao mostrar as diferenças das duas personagens: enquanto a polonesa é mais ativa, arrisca mais e sempre como um espírito jovial; a francesa é uma mulher perdida que busca algo para se conectar.
Como a protagonista é apaixonada pela música, a bela trilha sonora de Zbigniew Preisner é recheada de música clássica o que ajuda no tom misterioso, etéreo do filme. O diretor também enfatiza bastante o aspecto visual da obra. Em muitos momentos o filme mostra cenas distorcidas, duplicadas dando a entender que cada imagem tem uma realidade e o seu inverso. A fotografia de Slawomir Idziak brinca com os elementos naturais como a água, a luz solar, usando cores vibrantes e quentes na Polônia, e um tom mais opaco na França. Destaque para a linda cena do show de marionete mostrando uma delicadeza e lirismo impressionante. E o diretor surpreende até pelo senso de humor como na cena em que Weronika passa mal na rua e cruza com um exibicionista depravado.
A Vida Dupla de Veronique é um intrigante filme intimista que usa a seu favor belas imagens e a sublime música para seduzir o público a se deslocar para um mundo particular e delicado de sua personagem.

quinta-feira, julho 01, 2021

Os Incompreendidos

(Les Quatre Cents Coups, França, 1959)
Direção: François Truffaut
Elenco: Jean-Pierre Léaud, Claire Maurier, Albert Rémy, Guy Decomble.

François Truffaut era um renomado crítico de cinema que no fim dos anos de 1950 se desencantou com a  linguagem convencional dos filmes. Desiludido com a carreira ele desiste do cinema? Não! Ele vira cineasta e se torna um dos fundadores do gênero mais autêntico francês: a Nouvelle Vague. Além de ser um dos diretores mais importantes da França.  E com uma mistura perfeita entre realismo e lirismo, Truffaut usa memórias de sua adolescência para o argumento de seu primeiro filme, Os Incompreendidos. Aqui, o cineasta conta a rotina de um garoto de 14 anos chamado Antoine Doinel que é um imã para confusão: na escola é um rebelde que vive de castigo pelos professores; em casa é tratado como um peso pelos pais particularmente pela mãe (só o fato de flagrá-la com um amante na rua não melhora a sua situação).
O filme de Truffaut mescla a realidade e o sentimento. Do realismo, o filme faz uma crítica ao sistema educacional que é mais autoritário que humano com o aluno. Ao invés de compreender, a punição é incentivada gerando um embate entre a anarquia dos alunos versus a austeridade dos educadores. Aqui, o filme aborda a sina de um jovem rebelde (e no fundo incompreendido) que precisa ter o seu impulso controlado pelo Estado, o que fica evidente na cena da prisão na delegacia em que a cela parece um galinheiro. Em uma outra cena, crianças presas em uma gaiola ressoa como o fim da inocência. Truffaut também joga luz os pais ausentes com as suas rotinas estressantes para sobreviver aos perrengues financeiros...além de se responsabilizar na educação do filho.
Do lirismo, o filme expõe o seu lado divertido ao mostrar os garotos aprontando nas ruas de Paris, e mostra a fascinação do garoto pela arte; o filme demonstra o amor do protagonista pelo cinema somado a linda cena em que Truffaut capta a reação das crianças assistindo uma apresentação de fantoche de Chapeuzinho Vermelho. A arte redime.
Outro personagem importante de Os Incompreendidos é a capital francesa. As ruas de Paris é o grande cenário do filme que aos olhos de hoje se transforma em um registro de uma época graças a bela fotografia realista de Henri Decaë inspirado no neorrealismo italiano somado a alegre e jovial trilha sonora de Jean Constantin que casa bem com a dinâmica edição de Marie-Josèphe Yoyotte. Vale lembrar o trabalho primoroso de câmera do Truffaut ao usar câmera na mão e cenários reais o que gera uma autenticidade palpável. E o jovem ator Jean-Pierre Léaud personifica com perfeição espantosa as alegrias e tristezas do protagonista; um garoto que carrega dentro de si as inconstâncias da vida mesmo com a idade tão precoce.
Recordando Charles Chaplin na mistura do drama e humor junto com o final hipnotizante, Os Incompreendidos é um filmaço que vai além da delinquência juvenil.. És um hino a rebeldia, a inconsequência dos atos especialmente juvenis e o despreparo da sociedade em lidar com almas aflitas.