sábado, julho 10, 2021

O Som ao Redor

(Brasil, 2012)
Direção: Kleber Mendonça Filho
Elenco: Gustavo Jahn, Maeve Jinkings, Irandhir Santos, Irma Brown.

Se tem um cineasta brasileiro que sabe causar frisson na nossa cultura, este é o diretor Kleber Mendonça Filho. Com uma filmografia representada por três filmes, cada obra gera debates acalorados afinal o cineasta sabe manipular como poucos temas atuais sobre o Brasil de uma forma muito particular. E o seu debut - O Som ao Redor - Kleber escancara o que viríamos nos seus filmes posteriores.
Logo na abertura uma trilha sonora climática exibindo fotos de arquivo do dia a dia da zona rural, e abruptamente dá um salto para a garagem de um edifício no Recife atual. Mostrar crianças brincando sob a supervisão das babás introduz uma questão recorrente do filme: as diferenças sociais. E essa diferença é retratada pelos seus três personagens principais: João, um bon-vivant da classe alta que é corretor de móveis; Beatriz, uma dona de casa entediada de uma família da classe média; e Clodoaldo, um soturno funcionário de uma empresa de segurança privada que representa a classe baixa. Como de costume na filmografia do cineasta pernambucano, o filme é dividido em três partes.
Na primeira parte chamada Cães de Guarda, retrata o cotidiano da Beatriz e João. Ela vive atormentada pelos latidos do cachorro do vizinho. Ele fica constrangido quando o seu primo rouba o aparelho de som da Sofia, uma garota que ele inicia um relacionamento amoroso. Entre essas duas estórias, uma sensação de inquietação é exposta na área residencial; quando limpadores de carros ficam sob a visão da policia - e aqueles são destratados pelos moradores de um condomínio. E por fim, surge a figura misteriosa de Clodoaldo.
Na segunda parte chamada Guardas Noturnos, do amontoado de casas e prédios surgem belas imagens urbanas. Kleber extrai beleza no desalinho concreto residencial. Aqui, Beatriz recebe a proposta de segurança do Clodoaldo no momento que flagra um homem se movimentando no telhado do vizinho. Já João participa de uma reunião de condomínio no qual os inquilinos procuram uma justificativa para demitir um antigo porteiro. Através do senso de humor, a justificativa vai de uma Revista Veja sem a embalagem até provas documentadas...por um garotinho. E Clodoaldo tira do sério o primo de João após ameaçá-lo através de uma ligação anônima.
E na ultima parte titulada Guarda Costas, o clima fica pesado, ganha ares de terror como água vermelha, o pesadelo da filha da Beatriz, e imagens sinistras dos prédios a noite que recorda Amytiville. E Clodoaldo domina a área conquistando a confiança de todos e conhece todos os passos dos moradores. João e Sofia visitam o engenho do avô. O casarão patriarcado e sua volta parecem assombrados com sons de passos desconhecidos e gritos de horror.
Como o seu título sugere, o filme é uma aula do uso do som (o diretor é responsável pelo trabalho sonoro) apresentando o caos sonoro do ambiente de sua estória, um bairro residencial do Recife. Pela ausência de trilha sonora, o som é um elemento crucial ao filme - o latido do cachorro, a máquina de lavar, o aspirador de pó, a televisão, o trânsito na rua. Elementos que aqui servem para inquietar e assombrar toda a sociedade. E a narrativa acompanhando os três personagens chama atenção pela segurança na condução.
Mas a obra de Kleber Mendonça Filho vai além da crítica social. Usando de forma singularíssima uma combinação de gêneros: do drama ao suspense com pitadas de terror a respeito da memória, justiça social, especulação imobiliária, as milícias, e a apatia da classe média brasileira. Um filme energético, sensorial e urgente que ilustra um país que para se desenvolver precisa se desligar de um passado (e o presente!) que mais assombra, atormenta que dá alegria.

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