sábado, setembro 25, 2021

Festival de Veneza 2021

 


Com um mês de atraso em conta da pandemia - e um tempo essencial para realizar a exibição dos filmes de forma presencial - o Festival de Veneza 2021 chega com uma gama incrível de bons filmes. Presidido pelo realizador coreano de Parasita, Boong Joon Ho, a competição está recheada de filmes que farão bonito na temporada de premiação 2022. Mas o júri surpreende ao premiar com o Leão de Ouro de Melhor Filme o francês Happening de Audrey Diwan que fala sobre o aborto na França de 1960 - e faz uma dobradinha com Cannes que neste ano também premiou uma outra obra francesa polêmica dirigida por uma cineasta. Mas os grandes destaques do festival deste ano foram: o espanhol Mães Paralelas em que o mestre Pedro Almodóvar volta a falar sobre maternidade de uma forma mais franca e madura; o neozelandês The Power of Dog, o retorno de Jane Campion sobre dois irmãos que entram em conflito com a chegada de uma mulher; o britânico Spencer em que o grande cineasta chileno Pablo Larrain faz uma intimista biografia da Princesa Diana; o estadunidense A Filha Perdida, a surpreendente estréia da atriz Magie Gyllenhaal na direção ao abordar uma mãe que encara demônios pessoais em uma viagem de férias; o britânico Noite Passada em Soho em que o criativo Edgar Wright explora o terror sobre uma mulher que tem uma fixação pela Londres dos anos de 1960; o italiano A Mão de Deus em que o diretor Paolo Sorrentino faz o seu filme mais pessoal ao falar sobre a sua adolescência. O brasileiro 7 Prisioneiros de Alexandre Moratto não entrou na competição oficial mas foi adquirida pela Netflix e recebeu ótimas criticas ao abordar um jovem que entra no mundo do tráfico de pessoas.

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A lista dos vencedores do Festival de Veneza 2021:


Leão de Ouro: Happening (França) de Audrey Diwan

Grande Prêmio do Júri: A Mão de Deus (Itália) de Paolo Sorrentino

Melhor Direção: Jane Campion - The Power of Dog (Nova Zelândia)

Melhor Ator: John Arcilla - On The Job: The Missing 8 (Filipinas)

Melhor Atriz: Penelope Cruz - Mães Paralelas (Espanha)

Melhor Roteiro: Magie Gyllenhaal - A Filha Perdida (EUA)

Prêmio Especial do Júri: Il Buco (Itália) de Michelangelo Frammartino

Prêmio Marcello Mastroianni de Revelação: FilippoScotti - A Mão de Deus (Itália)

segunda-feira, setembro 20, 2021

Destaques nos cinemas

SHANG-CHI E A LENDA DOS DEZ ANEIS

(Shang-Chi and The Legend of the Ten Rings, EUA, 2021) de Destin Daniel Cretton
Fantasia. Jovem que foi treinado pelo seu pai para ser um mestre na artes marciais se rebela em busca de sua liberdade. 



CRY MACHO: O CAMINHO PARA REDENÇÃO

(EUA, 2021) de Clint Eastwood
Drama. astro dos rodeios decadente transporta do México para os EUA o filho rebelde de um ex-patrão e inesperadamente cria um laço emotivo com o rapaz.


NO RITMO DO CORAÇÃO

(CODA) de Siân Heder
Drama. Ao se encantar com a música, jovem fica dividida com a carreira artística ou cuidar da sua família que tem deficiência auditiva.




007 - SEM TEMPO PARA MORRER

(No Time To Die) de Cary Joji Fukunaga
Ação. Curtindo a vida tranquila na Jamaica, o famoso espião é acionado para uma nova missão com o objetivo de destruir um homem que criou uma invenção perigosa.




A CASA SOMBRIA

(The Night House) de David Bruckner
Terror. Em luto pela morte de seu marido, mulher se isola numa casa que guarda terríveis segredos.

quarta-feira, setembro 15, 2021

Lançamentos nos Streamings

BOA SORTE
(Brasil, 2014) de Carolina Jabor
Netflix
Drama. Adolescente impulsivo é internado em uma clinica psiquiátrica e se apaixona por uma paciente que apresenta uma vida dolorida.

O ESQUADRÃO SUICIDA
(The Suicide Squad, EUA, 2021) de James Gunn
HBO Max
Ação. Uma instituição governamental convoca um grupo perigoso para lutar em uma ilha comandada por um militar maluco.




GABRIEL E A MONTANHA
(Brasil, 2017) de Fellipe Barbosa
Netflix
Drama. Antes de ingressar a universidade, jovem decide se aventurar pelo mundo como um mochileiro na África.




MARLEY & EU
(Marley & Me, EUA, 2008) de David Frankel
Disney Plus
Drama. Recém-casados, casal decide adotar um labrador que com o seu gênio terrível muda as suas vidas.





A MENINA QUE MATOU OS PAIS
(Brasil, 2021) de Mauricio Eça
Amazon Prime
Drama. O assassinato de um casal da classe alta de São Paulo sob o ponto de vista da assassina: a filha do casal.




O MENINO QUE MATOU OS MEUS PAIS
(Brasil, 2021) de Mauricio Eça
Amazon Prime
Drama. O assassinato de um casal da classe alta de São Paulo sob o ponto do assassino: o namorado da filha do casal.



UM NINHO PARA DOIS
(The Starling, EUA, 2021) de Theodore Melfi
Netflix
Drama. Casal que passa por um difícil momento após perder o filho recém-nascido convivem com um pássaro agressivo que se instalou em seu jardim.


NOMADLAND
(EUA, 2020) de Chloé Zhao
Telecine Play
Drama. Viúva sem casa e emprego decide mudar o seu estilo de vida e cair na estrada com a sua van.




NÓS
(Us, EUA, 2019) de Jordan Peele
Netflix
Terror. Família viaja de férias e são atacadas por uma outra família que parece ser seus clones.

sexta-feira, setembro 10, 2021

Bela Vingança

(Promising Young Woman, Inglaterra/EUA, 2020)
Direção: Emerald Fennell
Elenco: Carey Mulligan, Bo Burnham, Laverne Cox, Alison Brie.

Numa balada, três amigos percebem a presença de uma bela mulher embriagada totalmente vulnerável. Um dos caras sente pena e vai conversar com ela. Por compaixão, ele decide deixar ela em casa mas no meio do caminho - ao ver uma jovem tão atraente - muda de ideia e a leva para sua residência. Lá, ele a leva para a cama e começa a forçar a transa até que é surpreendido com a rápida lucidez da moça que o questiona: o que você está fazendo? Assim inicia o provocativo Bela Vingança em que a diretora estreante, a atriz Emerald Fennell, separa a narrativa em duas estruturas mas que representa a personalidade manipuladora e segura da protagonista, Cassandra (ou Cassie). A primeira é a caçadora que se faz de indefesa para dar uma lição a homens não tão inocentes assim; a segunda é a garota fracassada perante aos olhos da sua família, conhecidos e no trabalho.
Primeiro tópico: a caçadora.
Os créditos iniciais de Bela Vingança mostra Cassie de manhã cedo caminhando com o braço sujo de vermelho (sangue?) segurando um cachorro-quente. É abordada por peões de obra que a assedia. Ela os encara até eles ficaram constrangidos. Aqui, a protagonista demonstra controle sobre os homens. Isso fica mais evidente quando ela registra em seu caderno o nome da "vitima" da noite passada (percebe-se outros nomes mostrando que já é um hábito da moça).
Em outra noite, Cassie está bêbada em uma casa de um desconhecido que a obriga a cheirar cocaína e ainda critica as mulheres que usam maquiagem com um papo feminista pra boi dormir. E quanto mais frágil Cassie apresenta (e querendo ir embora), ele força a leva-la para cama. E num piscar de olhos, ela se apresenta sóbria e ele percebe que caiu numa armadilha. E a cena pula do mal estar para a pura tensão. Ela confessa que toda semana caça um "cavalheiro" para dar uma repreendida.
Segundo tópico: a fracassada.
Cassie trabalha numa cafeteria que propositalmente não dá a mínima para os clientes. Mesmo assim ela tem empatia da chefe que se preocupa com ela. Ao atender um cliente, este identifica Cassie como uma colega sua do curso de medicina. O comportamento ríspido dela faz com que o rapaz chamado Ryan fique sem jeito e Cassie cospe no café de Ryan bem na sua frente. Em casa, ao tomar café da manhã com a sua família, Cassie vê um presente. É o aniversario dela que a própria tinha esquecido. E a mãe se chateia com o esquecimento e desabafa: você completou 30 anos, não tem amigos, não tem namorado, tem um emprego inútil, e mora com os pais. O presente é mais simbólico impossível: uma mala. Dias depois, Ryan reaparece para um convite de saída e ela aceita e sua estória dá uma nova guinada até o novo crush falar sobre um colega de medicina que no passado fez algo a Cassandra. A chama da vingança é acessa.
- Você sabe qual é o pior pesadelo da mulher?. Esta é a pergunta que a protagonista faz em uma cena e que ecoa sobre toda sua projeção. Assim, Cassie é uma personagem que demonstra controle sobre os homens e os que estão em sua volta. Isso fica mais evidente quando ela registra em seu caderno o nome das vitimas como uma justiceira nos moldes de um Clint Eastwood de Dirty Harry e Charles Bronson como Paul Kensey de Desejo de Matar. Se estes usam a virilidade e o revolver na busca pela justiça; Cassie usa a vulnerabilidade, a beleza e o senso manipulador para atingir o seu objetivo. E com um argumento esperto, a  diretora pisa no terreno delicado em tempos de MeToo em que as mulheres denunciam abusos - mas aqui ela consegue extrair uma obra singular, provocativa mas sem cair na polêmica. A sua formula foi colocar personagens de moral questionável no lugar das vitimas (os rapazes que ela repreende, a reitora, a ex-colega de faculdade). Fennell surpreende com o total controle da estória que é particularmente feminista e que precisava de um visão de uma mulher para chegar a seu objetivo: o olhar da vitima, a rejeição do fracasso (loser) e a perpetuação de uma sociedade patriarcal. Aqui a cineasta sabe casar tensão, um ar de imprevisibilidade com um senso de humor negríssimo. O ar pesa quando Cassie faz vingança mas fica leve na relação amorosa com Ryan. E o filme ganha plus com a atuação hipnótica da Carey Muligan que compõe uma mulher fria, manipuladora que tinha uma grande carreira pela frente mas que não consegue se desviar do caminho de fazer justiça com as próprias mãos.
Ultimamente notícias de abuso sexual ganha cada vez mais holofote, e o filme Bela Vingança usa o contexto de forma criativa e pessoal através da inversão de papéis entre caça e caçador ou chapeuzinho vermelho e lobo mau para expurgar traumas terríveis que marcam as vitimas e a busca pelo senso de justiça.

domingo, setembro 05, 2021

Quo Vadis, Aida?

(Bosnia e Herzegovina, 2020)
Direção: Jasmila Zbanic
Elenco: Jasna Djuricic, Izudin Bajrovic, Boris Isakovic, Johan Heldenbergh

Admito que não é fácil escrever sobre Quo Vadis, Aida? pois além de ser um filme que causa incômodo ao abordar a violência étnica (mulçumanos, cristãos ortodoxos e católicos) na Bósnia e Herzegovina (antiga Iugoslávia), é inevitável como não comparar com o Brasil, um país também marcado por opressão racial. No nosso lado vemos pobres, negros, índios na miséria em um país que esconde uma guerra brutal pela sobrevivência. Aqui desviamos o olhar aos mais necessitados. A cineasta Jasmila Zbanic faz o contrário sobre o Massacre de Srebrenica, um genocídio sobre a população mulçumana. E o efeito é devastador.
Em 1995, a Bósnia e Herzegovina está em guerra civil. A cidade de Srebrenica composta por bósnios mulçumanos é uma região protegida pela ONU mas as tropas do exército sérvio estão invadindo a área ao perceber o descaso das Nações Unidas. O objetivo dos sérvios é de vingança.
Numa reunião, olhares nervosos em relação a aproximação do exército sérvio na cidade representa uma péssima premonição. A ONU garante segurança gerando desconfiança ao líder bósnio local. E o pressentimento estava correto. O exército sérvio invade a cidade e fuzila civis e o prefeito. Outra parte da população se refugia em um espaço das Nações Unidas. Lá, a protagonista Aida ajuda os refugiados e ao mesmo tempo procura sua família. O local está lotado. Como o campus tem muita gente, os holandeses (responsável pela proteção dos civis) fecham o portão. Aida encontra um dos seus filhos mas o restante da família está fora da área de proteção. Do lado de fora, a multidão de pessoas impressiona e assusta.  Aida localiza o marido e o outro filho no outro lado das grades - e esperta -  acha um meio de autorizar a entrada dos dois (convence o oficial da ONU em convocar o seu marido para uma negociação com os sérvios).
A negociação que de início parece calma e civilizada - os sérvios aceitam ajudar na evacuação da população para outra área sem apelar para a violência - se torna imprevisível com a chegada de um grupo de militares sérvios na base da ONU que exige sua entrada para buscar soldados mulçumanos na área. A tensão é constante porque é perceptível o despreparo das Nações Unidas sobre a situação deixando o exército sérvio à vontade para cometer maldades.
Quo Vadis é uma expressão em latim que significa aonde vais?. Na Bíblia, Jesus fez essa pergunta ao apóstolo Pedro que era perseguido por Nero. No filme de Zbanic, acompanhamos a angústia da professora de inglês e tradutora da ONU Aida. Uma mulher que faz de tudo para proteger a família e ao mesmo tempo testemunha a total omissão das Nações Unidas aos habitantes de Srebrenica. E que atuação da Jasna Djuricic que como Aida personifica uma leoa, uma força da natureza; uma mulher que corre o tempo todo sempre com o coração em alerta. 
A cineasta faz um filme de uma tensão absoluta em conta do público e da protagonista testemunharem a população bósnia mulçumana sendo jogada ao Deus dará. E como toda guerra, amigos viram inimigos (o caso dos colegas economistas), e tudo perde sentido lembrando a tenebrosa banalidade do mal. 
O roteiro tem poucos diálogos mas a sequência dos fatos torna a experiência imersa. Zbanic não usa violência gráfica mas a narrativa é tão escabrosa que o horror, a angústia são sentidas na pele. No olhar. A câmera desfila por rostos que em determinados momentos encaram o público; e outro se escondem ou se desviam. Assim, o olhar serve para incomodar o público. Questionar onde o mundo estava quando esse horror estava acontecendo? Porque ninguém se importou com essa gente? A diretora dá uma porrada em toda a humanidade. Não é fácil assistir a este filme. Em toda a sua projeção, a tensão e a perplexidade estão lado a lado constantemente. Um pesadelo interminável. E  o fim mesmo "otimista" fica um gosto amargo, pesado. Se fosse exibido no cinema, confesso que sairia da sessão totalmente acuado, calado, sem palavras. Um filme forte, impactante.

quarta-feira, setembro 01, 2021

Caros Camaradas! Trabalhadores em Luta

(Dorogie Tovarishschi, Rússia, 2020)
Direção: Andrey Konchalovsky
Elenco: Yuliya Vysotskaya, Yuliya Burova, Vladslav Komarov, Andrey Gusev

Quando trabalhadores entram em greve em países democráticos, estes são taxados de comunistas, socialistas... mas como seria se essa situação acontecesse justamente na União Soviética? Essa é a indagação que o cineasta russo Andrey Konchalovsky levanta ao descobrir um fato peculiar no auge da Guerra Fria. No interior da União Soviética em 1962, um casal conversa sobre o constante aumento do preço dos alimentos. Ela, a protagonista chamada Lyudmila, executiva do partido comunista, acha um absurdo (na época do Stálin os preços caiam); ele engole os aumentos pois o Estado não pode ser questionado. Após essa cena aparentemente banal, o filme vai diretamente aos acontecimentos. Lyudmila vai ao mercado e tem uma fila de pessoas indignadas com o aumento dos preços. Em virtude do seu cargo, ela vai a uma sala isolada em que uma funcionária lhe dá uma espécie de tratamento vip e oferece mercadorias em troca de outro favores (roupas). A funcionária comenta sobre rumores de fome e a protagonista enfurece respondendo: "Você já viu um soviético passar fome? Isso é fofoca." Em casa, sua filha relata cortes de salários na fábrica em que trabalha. A mãe rebate alegando que na Segunda Guerra Mundial os operários trabalhavam de graça. Mais tarde, operários da fábrica entram em greve. A informação chega a Moscou que não gosta do gesto e envia o exército. O conflito é inevitável a ponto do partido autorizar uma chacina contra os grevistas. E no meio do caos, a filha de Lyudmila desaparece.
Crise momentânea. Esse é o mantra positivo que a protagonista teima em acreditar mas os fatos vão derrubando a filosofia socialista em que ela tanto defendia. E o diretor Konchalovsky (Os Amantes de Maria, Gente Diferente) descobre essa incrível e triste história verídica que só após a Guerra Fria a Rússia está desencavando. Assim, Caros Camaradas! é um retrato de uma ideologia cheia de falhas e tão desumana como o capitalismo selvagem. E também lança luz sobre o passado violento da região - como diria o pai de Luydmila:"Não existe Deus aqui!"
Linda fotografia em preto e branco de Andrey Naydenov com enquadramento reduzido para enfatizar um momento opressivo da história soviética. E mesmo com ausência de trilha sonora e tímidos movimentos de câmera, o diretor consegue dar um ritmo fluido e ágil ao expor o desencanto politico da camarada. A cena do tiroteio é dirigida com poucos cortes mas mesmo assim é tensa ao retratar um massacre sem nenhum motivo. Vale comentar a grande atuação de Yuliya Vysotskaya que dá vida a uma mulher até então forte e determinada mas que tem a sua visão politica virando pó somado a filha desaparecida. E mesmo com um final "otimista" não consegue disfarçar a dor e o gosto amargo de esconder, reprimir o fato e a morte de inocentes que só queriam um mundo melhor.