sexta-feira, setembro 10, 2021

Bela Vingança

(Promising Young Woman, Inglaterra/EUA, 2020)
Direção: Emerald Fennell
Elenco: Carey Mulligan, Bo Burnham, Laverne Cox, Alison Brie.

Numa balada, três amigos percebem a presença de uma bela mulher embriagada totalmente vulnerável. Um dos caras sente pena e vai conversar com ela. Por compaixão, ele decide deixar ela em casa mas no meio do caminho - ao ver uma jovem tão atraente - muda de ideia e a leva para sua residência. Lá, ele a leva para a cama e começa a forçar a transa até que é surpreendido com a rápida lucidez da moça que o questiona: o que você está fazendo? Assim inicia o provocativo Bela Vingança em que a diretora estreante, a atriz Emerald Fennell, separa a narrativa em duas estruturas mas que representa a personalidade manipuladora e segura da protagonista, Cassandra (ou Cassie). A primeira é a caçadora que se faz de indefesa para dar uma lição a homens não tão inocentes assim; a segunda é a garota fracassada perante aos olhos da sua família, conhecidos e no trabalho.
Primeiro tópico: a caçadora.
Os créditos iniciais de Bela Vingança mostra Cassie de manhã cedo caminhando com o braço sujo de vermelho (sangue?) segurando um cachorro-quente. É abordada por peões de obra que a assedia. Ela os encara até eles ficaram constrangidos. Aqui, a protagonista demonstra controle sobre os homens. Isso fica mais evidente quando ela registra em seu caderno o nome da "vitima" da noite passada (percebe-se outros nomes mostrando que já é um hábito da moça).
Em outra noite, Cassie está bêbada em uma casa de um desconhecido que a obriga a cheirar cocaína e ainda critica as mulheres que usam maquiagem com um papo feminista pra boi dormir. E quanto mais frágil Cassie apresenta (e querendo ir embora), ele força a leva-la para cama. E num piscar de olhos, ela se apresenta sóbria e ele percebe que caiu numa armadilha. E a cena pula do mal estar para a pura tensão. Ela confessa que toda semana caça um "cavalheiro" para dar uma repreendida.
Segundo tópico: a fracassada.
Cassie trabalha numa cafeteria que propositalmente não dá a mínima para os clientes. Mesmo assim ela tem empatia da chefe que se preocupa com ela. Ao atender um cliente, este identifica Cassie como uma colega sua do curso de medicina. O comportamento ríspido dela faz com que o rapaz chamado Ryan fique sem jeito e Cassie cospe no café de Ryan bem na sua frente. Em casa, ao tomar café da manhã com a sua família, Cassie vê um presente. É o aniversario dela que a própria tinha esquecido. E a mãe se chateia com o esquecimento e desabafa: você completou 30 anos, não tem amigos, não tem namorado, tem um emprego inútil, e mora com os pais. O presente é mais simbólico impossível: uma mala. Dias depois, Ryan reaparece para um convite de saída e ela aceita e sua estória dá uma nova guinada até o novo crush falar sobre um colega de medicina que no passado fez algo a Cassandra. A chama da vingança é acessa.
- Você sabe qual é o pior pesadelo da mulher?. Esta é a pergunta que a protagonista faz em uma cena e que ecoa sobre toda sua projeção. Assim, Cassie é uma personagem que demonstra controle sobre os homens e os que estão em sua volta. Isso fica mais evidente quando ela registra em seu caderno o nome das vitimas como uma justiceira nos moldes de um Clint Eastwood de Dirty Harry e Charles Bronson como Paul Kensey de Desejo de Matar. Se estes usam a virilidade e o revolver na busca pela justiça; Cassie usa a vulnerabilidade, a beleza e o senso manipulador para atingir o seu objetivo. E com um argumento esperto, a  diretora pisa no terreno delicado em tempos de MeToo em que as mulheres denunciam abusos - mas aqui ela consegue extrair uma obra singular, provocativa mas sem cair na polêmica. A sua formula foi colocar personagens de moral questionável no lugar das vitimas (os rapazes que ela repreende, a reitora, a ex-colega de faculdade). Fennell surpreende com o total controle da estória que é particularmente feminista e que precisava de um visão de uma mulher para chegar a seu objetivo: o olhar da vitima, a rejeição do fracasso (loser) e a perpetuação de uma sociedade patriarcal. Aqui a cineasta sabe casar tensão, um ar de imprevisibilidade com um senso de humor negríssimo. O ar pesa quando Cassie faz vingança mas fica leve na relação amorosa com Ryan. E o filme ganha plus com a atuação hipnótica da Carey Muligan que compõe uma mulher fria, manipuladora que tinha uma grande carreira pela frente mas que não consegue se desviar do caminho de fazer justiça com as próprias mãos.
Ultimamente notícias de abuso sexual ganha cada vez mais holofote, e o filme Bela Vingança usa o contexto de forma criativa e pessoal através da inversão de papéis entre caça e caçador ou chapeuzinho vermelho e lobo mau para expurgar traumas terríveis que marcam as vitimas e a busca pelo senso de justiça.

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