domingo, setembro 05, 2021

Quo Vadis, Aida?

(Bosnia e Herzegovina, 2020)
Direção: Jasmila Zbanic
Elenco: Jasna Djuricic, Izudin Bajrovic, Boris Isakovic, Johan Heldenbergh

Admito que não é fácil escrever sobre Quo Vadis, Aida? pois além de ser um filme que causa incômodo ao abordar a violência étnica (mulçumanos, cristãos ortodoxos e católicos) na Bósnia e Herzegovina (antiga Iugoslávia), é inevitável como não comparar com o Brasil, um país também marcado por opressão racial. No nosso lado vemos pobres, negros, índios na miséria em um país que esconde uma guerra brutal pela sobrevivência. Aqui desviamos o olhar aos mais necessitados. A cineasta Jasmila Zbanic faz o contrário sobre o Massacre de Srebrenica, um genocídio sobre a população mulçumana. E o efeito é devastador.
Em 1995, a Bósnia e Herzegovina está em guerra civil. A cidade de Srebrenica composta por bósnios mulçumanos é uma região protegida pela ONU mas as tropas do exército sérvio estão invadindo a área ao perceber o descaso das Nações Unidas. O objetivo dos sérvios é de vingança.
Numa reunião, olhares nervosos em relação a aproximação do exército sérvio na cidade representa uma péssima premonição. A ONU garante segurança gerando desconfiança ao líder bósnio local. E o pressentimento estava correto. O exército sérvio invade a cidade e fuzila civis e o prefeito. Outra parte da população se refugia em um espaço das Nações Unidas. Lá, a protagonista Aida ajuda os refugiados e ao mesmo tempo procura sua família. O local está lotado. Como o campus tem muita gente, os holandeses (responsável pela proteção dos civis) fecham o portão. Aida encontra um dos seus filhos mas o restante da família está fora da área de proteção. Do lado de fora, a multidão de pessoas impressiona e assusta.  Aida localiza o marido e o outro filho no outro lado das grades - e esperta -  acha um meio de autorizar a entrada dos dois (convence o oficial da ONU em convocar o seu marido para uma negociação com os sérvios).
A negociação que de início parece calma e civilizada - os sérvios aceitam ajudar na evacuação da população para outra área sem apelar para a violência - se torna imprevisível com a chegada de um grupo de militares sérvios na base da ONU que exige sua entrada para buscar soldados mulçumanos na área. A tensão é constante porque é perceptível o despreparo das Nações Unidas sobre a situação deixando o exército sérvio à vontade para cometer maldades.
Quo Vadis é uma expressão em latim que significa aonde vais?. Na Bíblia, Jesus fez essa pergunta ao apóstolo Pedro que era perseguido por Nero. No filme de Zbanic, acompanhamos a angústia da professora de inglês e tradutora da ONU Aida. Uma mulher que faz de tudo para proteger a família e ao mesmo tempo testemunha a total omissão das Nações Unidas aos habitantes de Srebrenica. E que atuação da Jasna Djuricic que como Aida personifica uma leoa, uma força da natureza; uma mulher que corre o tempo todo sempre com o coração em alerta. 
A cineasta faz um filme de uma tensão absoluta em conta do público e da protagonista testemunharem a população bósnia mulçumana sendo jogada ao Deus dará. E como toda guerra, amigos viram inimigos (o caso dos colegas economistas), e tudo perde sentido lembrando a tenebrosa banalidade do mal. 
O roteiro tem poucos diálogos mas a sequência dos fatos torna a experiência imersa. Zbanic não usa violência gráfica mas a narrativa é tão escabrosa que o horror, a angústia são sentidas na pele. No olhar. A câmera desfila por rostos que em determinados momentos encaram o público; e outro se escondem ou se desviam. Assim, o olhar serve para incomodar o público. Questionar onde o mundo estava quando esse horror estava acontecendo? Porque ninguém se importou com essa gente? A diretora dá uma porrada em toda a humanidade. Não é fácil assistir a este filme. Em toda a sua projeção, a tensão e a perplexidade estão lado a lado constantemente. Um pesadelo interminável. E  o fim mesmo "otimista" fica um gosto amargo, pesado. Se fosse exibido no cinema, confesso que sairia da sessão totalmente acuado, calado, sem palavras. Um filme forte, impactante.

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