terça-feira, junho 01, 2021

O Beijo da Mulher Aranha

(Kiss of the Spider Woman, Brasil/EUA, 1985)
Direção: Hector Babenco
Elenco: William Hurt, Raul Julia, Sônia Braga, Nuno Leal Maia

O filme O Beijo da Mulher Aranha faz uma boa discussão sobre o uso da arte como fuga em um momento difícil. No período da pandemia, muitas pessoas se isolaram da realidade e buscaram o escapismo que o cinema é capaz de proporcionar. Mas fugir das tristes notícias é tão doloroso quando encaramos o que de fato acontece em nossa volta.
Adaptação da obra do argentino Manoel Puig, o filme de Hector Babenco tem duas linhas narrativas: primeiro, dois homens totalmente distintos vivem numa mesma cela; o homossexual sensível Molina que cumpre pena por "sedução de menor", e o jornalista enfático Valentin, um preso político. A segunda narrativa são as memórias e o amor que Molina tem por um filme antigo que lhe dá forças para sobreviver a prisão, mas ao mesmo tempo é fonte de atritos com o politizado Valentin.
O jogo de metalinguagem é bem-conduzido pelo grande Babenco, aqui no auge da carreira através da boa edição de Mauro Alice. A bonita fotografia de Rodolfo Sanchéz reforça a distinção de ilusão e realidade. Em homenagem ao cinema clássico, a ficção tem cor saturada e séptica e atuações falsas e caricatas; já a realidade é mais colorida mas com um aspecto sujo, e as interpretações mais realistas. A bela trilha sonora de John Neschling e Nando Carneiro mistura melancolia e sentimento latino. Mas se o elenco do filme da Segunda Guerra Mundial sofre com as limitações em atuar em um filme de época; a dupla principal dá um show, especialmente William Hurt que sabe expressar as mudanças que Molina ganha com a improvável amizade ou "amor" com o Valentin. Dessa relação, surge um homem que se cansa de fugir da futilidade (a busca de uma relação amorosa e da ilusão do cinema) e aos poucos vê um novo sentido lutando por algo mais concreto: o ativismo político que o seu colega de prisão semeou.
E mesmo em tempos diferentes, narrativas opostas, que é o caso da ditadura real e o nazismo cinematográfico, estes elementos representam o assombro do totalitarismo. Assim, O Beijo da Mulher Aranha é um hino contra os abusos do fascismo, e ao mesmo tempo um alerta quando usamos a arte como um mero pretexto para fugirmos de uma dor pessoal desconcertante a uma realidade que sufoca a liberdade.

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