quinta-feira, fevereiro 10, 2022

Spencer

(Inglaterra/EUA/Chile, 2021)
Direção: Pablo Larraín
Elenco: Kristen Stewart, Sally Hawkins, Timothy Spall, Jack Farthing.

Larraín é o cara quando o tema é cinebiografia. Fugindo de fórmulas típicas do gênero (aquela que relata toda a trajetória da personalidade do nascimento a morte), o grande cineasta chileno foca em seus trabalhos algo peculiar nos seus biógrafos como a perseguição da polícia ao Pablo Neruda em Neruda (2016); a vida virada para o avesso de Jackie Kennedy após o atentado do marido em Jackie (2016). Agora a bola da vez é a princesa Diana em Spencer.
Na véspera do natal de 1991, tradicionalmente a família real britânica se reúne na fazenda Sandringham - que parece mais um castelo - para a comemoração natalina. Mas o encontro acontece quando uma bomba está prestes a explodir. O casamento do príncipe Charles com a princesa Diana está por um fio quando o caso extraconjugal do marido vai a tona gerando um tremendo desconforto a princesa, e tensão a família real temendo que a situação piore com algum comportamento imprevisível da princesa.
Spencer é uma biografia com ares de terror à lá O Iluminado de Stanley Kubrick em que a fazenda real inglesa é o cenário que oprime e aterroriza - com direito a alma da personagem histórica Ana Bolena - uma mulher que cansou de interpretar um papel que já não lhe pertence ocasionando em momentos de dor externados através da anorexia e automutilação.
Aqui é um filme de horror em que os vivos assustam mais que os mortos com as suas tarefas e obrigações ingratas; o peso da coroa na cabeça de pessoas que precisam criar uma imagem e ilusão da família perfeita associada ao poder da mídia sempre a espera de uma derrapada da família real.
Como um filme de época britânico, Larraín acerta em cheio na concepção técnica do filme ao se cercar dos melhores do cinema inglês. A começar pela fantástica e sufocante trilha sonora de Jonny Greenwood que ajuda a aumentar o desconforto da protagonista. A fotografia de Claire Mathon que expõe a beleza do castelo e seus artefatos clássicos em contraste a fragilidade da personagem principal. A direção de arte de Stefan Speth em que o cinema inglês sabe fazer de melhor. O figurino de Jacqueline Durran que homenageia os verdadeiros vestidos da princesa.
O grande chamariz da produção é a escalação de Kristen Stewart como a princesa Diana. Fugindo de uma mera cópia da personagem real, Kristen tenta captar a essência da personagem em um importante momento de sua vida, algo similar ao que Natalie Portman fez em Jackie - e o resultado é surpreendente. Mesmo marcada pelo projeto duvidoso Crepúsculo, a atriz mostrou talento e deu a volta por cima graças ao cineasta francês Olivier Assayas que a escalou em Acima das Nuvens (2014) e Personal Shopper (2016). Em Spencer, Kristen sabe traduzir uma mulher que esta totalmente perdida sobre sua vida e que precisa achar forças para escapar da prisão emocional.
Usando a metáfora do faisão, um pássaro belo mas estúpido tornando-o perfeito como um animal de caça se encaixa ao dilema da Diana em que a família real se preocupa mais com as aparências gerando um clima repressor a princesa. Larrain faz um belo filme que capta uma mulher que conseguiu dar a volta por cima e que - ironicamente - hoje é ela que assombra a família real em virtude do carinho e carisma que ela exerceu ao mundo. Um poder, uma força, uma imagem que a família da Rainha Elizabeth até hoje não conseguiu assimilar.

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