sexta-feira, dezembro 10, 2021

Identidade

(Passing, EUA/Inglaterra, 2021)
Direção: Rebecca Hall
Elenco: Tessa Thompson, Ruth Negga, Andre Holland, Bill Camp.

Em um dia quente de verão na Nova Iorque da década de 1920, a dona de casa Irene demonstra total desconforto em uma livraria rodeada de brancos. Para aliviar a tensão se desloca para uma casa de chá e lá se esbarra em uma antiga amiga chamada Claire. Desse reencontro, Irene não se sente nada agradável ao ver a vida que sua amiga vive: de cabelos platinados e casada com um branco rico que não esconde ser racista (ele não considera a esposa uma negra). Do reencontro problemático, Irene se distancia da amiga mas esta insiste em lhe contatar, e esta segunda oportunidade revela um olhar mais aguçado sobre Claire (que sente a necessidade de se conectar com as suas origens), e da própria Irene (uma mulher forte e decidida mas que aqui se revela insegura com relação ao futuro dos seus filhos).
Uma das revelações do Festival de Sundance 2021, Identidade impressiona por várias virtudes e a sua principal qualidade se chama Rebecca Hall. Atriz inglesa de prestigio, surpreende ao comandar a adaptação da obra de Nella Larsen. O filme apresenta um tom teatral mas que a diretora consegue superar essa adversidade graças as ótimas tomadas de câmera. Rebecca Hall de novata tem uma pegada de uma veterana. Outro ponto altíssimo da produção é o trabalho em simbiose entre a diretora e a fotografia soberba do espanhol Eduard Grau que aumenta a qualidade pois em certos momentos cada frame parece um lindo quadro. Outra curiosidade: de início o elaborado preto-e-branco da fotografia parece esconder, disfarçar os traços raciais das protagonistas o que de cara a imagem se torna um elemento que condiz com a temática do filme e até mesmo do seu titulo. Outro achado é o belíssimo design de produção de Nora Mendis que ajuda o público a embarcar no delicado contexto.
Além da parte técnica, o elenco arrebenta especialmente a ótima dupla formada entre Tessa Thompson e Ruth Negga (esta rouba a cena) dando vida a duas mulheres sensíveis que escondem e trazem a tona as dores da segregação racial. Enquanto a Irene de Tessa Thompson é politizada, consciente do que é ser negro nos EUA - no entanto surpreende ao apresentar uma decisão tipicamente materna mas que não condiz com a sua personalidade quando cria uma bolha de normalidade para os seus filhos; já Ruth Negga esbanja uma sensualidade melancólica no papel de Claire, uma mulher negra criada por brancos mas que vive no meio termo entre as raças tornando-a um ser vulnerável, frágil, e inseguro.
O debut de Rebecca Hall impressiona pois mesmo sendo branca, ela revela propriedade para falar do racismo mas com um contexto focado na minoria afinal ela está falando de mulheres em que independentemente da raça sofreram e ainda sofrem com o preconceito e o descaso de uma sociedade patriarcal. Mas aqui a diretora traz uma indagação: o que é ser negro, branco? Por um momento, a fotografia cria essa ilusão de ótica mas os anseios de Irene e Claire jogam na tela a dor de serem tratadas com insignificância. E através de um roteiro elegante e coeso, a diretora trata tanto os personagens como o público com sensibilidade, sem cair no melodrama. Uma ótima surpresa na safra de 2021.

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