sábado, janeiro 01, 2022

Ataque dos Cães

(The Power of the Dog, Nova Zelândia/EUA/Inglaterra, 2021)
Direção: Jane Campion
Elenco: Benedict Cumberbatch, Jesse Plemons, Kirsten Durnst, Kodi Smit-McPhee

Phil e George são dois irmãos ricos que vivem num enorme rancho. Mas os dois tem personalidades totalmente opostas. George é civilizado, educado, elegante. Resumo: um perfeito cavalheiro. Já Phil é hostil, rude, violento, grosso e sujo...além de uma estranha obsessão com um tal de Bronco Henry, o seu mentor falecido. Mas as coisas mudam quando George decide se casar com uma viúva dona de um estabelecimento, Rose. Aí começa os problemas. Phil e Rose não se dão bem logo de cara após o cowboy ter sido totalmente grosseiro com o filho dela, Peter, um jovem sensível e um tanto quanto fascinante e imprevisível. A chegada de Rose e Peter no rancho desestabiliza a rotina do local, particularmente quando Phil usa Peter para torturar Rose e, consequentemente, esta usa a bebida como válvula de escape.
Após um hiato de mais de dez anos, a cineasta neozelandesa Jane Campion realiza o seu retorno triunfal ao cinema nesta adaptação da difícil obra de Thomas Savage. Consagrada nos anos de 1990 por Um Anjo em Minha Mesa e principalmente O Piano (um dos meus filmes favoritos), Campion arrasa neste filme que a cada minuto que passa revela novas surpresas. Através de suas imagens passou pela minha cabeça os filmes O Piano (as paisagens idílicas) até O Segredo de Brokeback Mountain (os cowboys nas montanhas) mas foi em uma das cenas mais arrepiantes que eu vi nos últimos anos (quando Irene treina no seu piano e sente que Phil está por perto), a diretora me deu uma bela voadora. Não sei se deveria abrir o jogo, ou se essa informação é um ingrato spoiler mas mesmo assim vou revelar, e espero não estragar as expectativas. No decorrer da narrativa, percebi que George é o único sã da trama - e o único que fica mais tempo fora do rancho. E o rancho de acolhedor não tem nada; é uma casa grande, antiga e a ótima direção de arte de Grant Major consegue expor uma energia ruim ao local. Resumo: a família Bates de Psicose se sentiria a vontade neste lugar. E por fim tem o personagem de Benedict Cumberbatch, um comboy casca grossa que tem problemas emocionais: a sua vida se resume ao rancho (que ele não larga por nada desse mundo), a sua quase infantil união com o irmão (eles dormem no mesmo quarto em duas camas de solteiro como se tivessem 15 anos de idade), e tem essa estranha fixação com o falecido Bronco Henry. Mais uma vez outro filme de Hitchcock veio a minha mente: Rebecca, A Mulher Inesquecível. Quando o filme termina tenho a incrível constatação que Ataque dos Cães está longe de ser um faroeste intimista, e sim num drama gótico de muita personalidade. Já que além de Phil, George, Irene e Peter, o rancho também é um elemento vivo na estória. Ele tem o poder de dar vida ao Bronco Henry o que deixa Phil perturbado; Irene nunca se sente bem neste local ocasionando no alcoolismo. A linda fotografia de Ari Wegner também sabe explorar o tom sombrio desta "prisão" em contraste as lindas imagens de embasbacar do ambiente externo que a envolve. Cada tomada externa é mais linda que a outra. A trilha sonora orgânica, contida e elegante de Jonny Grenwood (que é a sua marca registrada) causa presença. O único senão do filme foi a edição de Peter Sciberras em que de início divide a narrativa em capítulos para no meio do fim abandonar tal formato. Achei um recurso desnecessário mas que não atrapalha no desenvolvimento do filme. 
E não dá para comentar um elemento importante da obra: o seu elenco. Os atores brilham em seus papéis, em que o destaque vai para a revelação o ator australiano Kodi Smit-McPhee que representa com magnetismo uma pessoa totalmente fora da curva. Também merece os elogios a sofrida caracterização de Kirsten Durnst que não cai no melodrama em um personagem que a cada dia vai se decaindo. E Cumberbatch mostra presença e desenvoltura uma virilidade misturada com insanidade que deixa qualquer um apavorado...como eu fiquei na cena do treino do piano.
No fim, para quem pensa que Campion fez um faroeste intimista, ao meu ver Ataque dos Cães é uma ode a Hollywood clássica; uma perturbadora mistura de Hitchcock com os dramas de Tennessee Williams. E essa estranha mistura é fascinante e sai totalmente da caixinha. 

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